Política

Dominghetti e Carvalho tentaram negociar vacinas

Em uma das conversas, Dominghetti, que também é policial militar, afirma a Carvalho que "diversas propostas" foram enviadas aos "consórcios de governadores

Troca de mensagens entre Cristiano Carvalho, representante da Davati no Brasil, e Luiz Dominghetti, que presta serviços informalmente para a empresa, revela que, para vender vacinas da AstraZeneca e da Janssen, os dois procuraram desde o Ministério da Saúde a governadores e prefeitos. A CNN teve acesso a diálogos entre os dois – os áudios estão com a CPI da Pandemia.

As conversas citam nomes de políticos e parceiros que os ajudariam a chegar a encarregados pela compra de vacinas nos governos federal e locais.

Em uma das conversas, Dominghetti, que também é policial militar, afirma a Carvalho que “diversas propostas” foram enviadas aos “consórcios de governadores e demais estados e municípios”.

A proximidade com o ex-diretor de Logística Roberto Dias, preso na comissão por supostamente mentir, reforçava a idoneidade dos vendedores e servia de cartão de visita para que iniciassem a negociação com unidades da federação. Em uma das conversas, Cristiano Carvalho grava mensagem de voz que diz: “Domingheti, bom dia, tudo bem? Eu falei com Dias do ministério. Eu preciso da carta de órgão governamental. O Rafa já enviou para ele, para dar prosseguimento. Sem ter absolutamente nada da intenção de compra do governo, eu não consigo dar prosseguimento. Então, é isso que está faltando. O Rafa já fez o documento. Mas eu fico à disposição, o que está faltando é isso”.

O Rafa citado na gravação seria Rafael Alves, um dos parceiros das negociações. Diversos nomes aparecem na conversa como facilitadores, a exemplo de Serafim e Bonifácio. A CPI ainda não sabe quem são. De acordo com os diálogos, esses parceiros também ficavam com um tipo de comissão. O negócio não se restringia a vacinas mas também a remédios, como o sedativo Midazolam, utilizado em pacientes antes de procedimentos médicos como a entubação, por exemplo. Em nenhuma mensagem fica claro se os contratos chegaram a ser assinados.

No dia 23 de março, é o policial Dominghetti que diz “o governador de Mato Grosso vai te procurar aí para afinar uma compra”. E complementa “eles já têm você como referência, aí este tem que ser seu talento mesmo”.

As oportunidades de fechar negócio eram batizadas de “fumaça” ou “fumaceiro”, uma forma de ressaltar que a negociação exigia mais pressa e atenção. “Já, já vou enviar 5 intenções de compras assinadas por governadores totalizando 50 mm doses (abreviação para milhões). Já estou finalizando aqui. Johnson & Johnson. Todas com marca d’água, tudo oficialmente”, ressalta.

Dias depois, em 30 de março, o próprio Dominghetti se surpreende com o volume de ligações que ele diz estar recebendo de interessados em vacinas. Em tom de espanto, afirma a Carvalho: “Vixe Maria. O mundo atrás de mim. Entro em call (chamada de vídeo) em cada 5 min. Amanhã o dia todo nisso, desde prefeito a governador, ministério. Misericórdia”.

No dia 10 de abril deste ano, Dominghetti afirma a Carvalho que está fechando a venda de medicamentos com o governo de Roraima e mais duas redes privadas de hospitais.

CNN procurou os governadores de Mato Grosso e Roraima e não obteve retorno.

A reportagem também buscou o Consórcio Nordeste.

O presidente do grupo, Wellington Dias, não confirmou se chegou a ser procurado pelos representantes da Davatti. Mas afirmou que, desde o ano passado, segue orientação de embaixadas dos países desenvolvedores e produtores de não aceitar intermediário. “As  vendas seriam diretas com o poder público. A orientação foi sempre de tratar diretamente com Pfizer, Sputinik, Coronavac, AstraZeneca e com apoio das embaixadas dos países: EUA, China, Reino Unido, Índia. E de todos ouvimos que a relação seria direta”, ressaltou.

Entrave bancário

No dia 26 de março, Dominghetti e Carvalho apontam que a escolha do banco para o pagamento dos produtos seria fator determinante para concretizar a venda.

Dominghetti diz que Guerra, que seria coronel Guerra, seu contato nos Estados Unidos, havia informado que não aceitava LC (carta crédito), nem pagamentos feitos pelo Banco do Brasil. A forma sugerida é a utilização de banco com sede nos Estados Unidos. A CPI acredita que essa escolha dificultaria o registro de recebimento de recursos em uma eventual quebra de sigilo bancário e fiscal. Carvalho endossa que Guerra já alertara que seria “mais fácil um banco top 10”. Dominghetti faz a ressalva de que esta não é a realidade de muitos municípios. “Ou seja, a maioria”, reforça.

Para chegar a prefeitos, de acordo com as mensagens, a interlocução seria feita pela Senah, a empresa particular chamada de Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários, comandada pelo reverendo Amilton Gomes de Paula, que será ouvido pela CPI depois do recesso parlamentar. “A FNP está com a Senah”, afirma Dominguetti a Carvalho, no dia 22 de março. FNP é a sigla para Frente Nacional de Prefeitos. O policial complementa “muitos municípios vão enviar pela FNP”, referindo-se à proposta de compra. Sem citar o nome, ele afirma não saber como o prefeito de Montes Claros teria conseguido seu número de telefone e ligado. Carvalho responde “que eu saiba, o deputado Paulo Guedes, de MG, que passou o meu contato. Não fui procurado por ninguém da FNP até agora ou falando em nome dela”.

Procurado pela CNN, o deputado Paulo Guedes não respondeu. Já o então presidente da FNP na época, Jonas Donizetti, confirmou que a entidade foi procurada por Cristiano Carvalho, com direito a reunião presencial em que a oferta de vacinas foi feita. No entanto, segundo Donizete, a negociação não seguiu adiante. “Foi recebido na sede da FNP, com o administrativo, mas não tiveram contato com correspondente político. Ao perceber que não tinha nenhuma referência, não houve avanço”. Donizete explica que diversos vendedores de vacinas procuraram a entidade, especialmente após as primeiras liberações de vacinas legalizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. “Nós tomamos como precaução dois protocolos: o primeiro era sempre ligar para as embaixadas e o segundo, para as empresas que produziam vacinas. Muitos prefeitos ligavam para nós  para saber como iríamos comprar vacinas. E nós sempre dizíamos que não tinha referência, que eram pessoas sem lastro, não eram do ramo e estavam tentando tirar proveito”, afirmou à CNN. Para o representante da FNP, os prefeitos tiveram um cuidado que o governo federal não teve.

Notícias

O monitoramento de notícias sobre o processo de compra de vacinas pelo país era constante. Entre áudios, termos de assinatura e mensagens escritas, os dois costumavam compartilhar também links de jornais com informações vistas como vantajosas para o negócio continuar prosperando.

Uma das notícias diz que a prefeitura de Montes Claros aderiu a consórcio para compra de vacinas. Outro exemplo aponta que o governo federal havia dispensado licitação para compra das vacinas Jassen e Pfizer. A CNN procurou a prefeitura de Montes Claros, comandada pelo prefeito Humberto Souto (Cidadania) e ainda não obteve retorno.

Fonte: CNN Brasil

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