Política

STF julga o marco temporal na demarcação de terras indígenas

Nas mãos dos ministros da Corte está a decisão sobre o futuro de 303 demarcações de terras indígenas em andamento no país, um direito fundamental dos povos originários, previsto na Constituição

A mobilização nacional dos povos indígenas que toma conta de Brasília, com a presença de mais de 6 mil indígenas na Esplanada dos Ministérios, dá a dimensão da importância do tema que, nesta quarta-feira (25), deve ser julgado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).

Nas mãos dos ministros da Corte está a decisão sobre o futuro de 303 demarcações de terras indígenas em andamento no país, um direito fundamental dos povos originários, previsto na Constituição Federal.

O STF vai julgar se cabe ou não aplicar sobre as demarcações novas ou em andamento a regra do “marco temporal”. Trata-se de uma linha de corte. Pelo entendimento do marco temporal, defendido por ruralistas, uma terra indígena só poderia ser demarcada se for comprovado que os índios estavam sobre a terra requerida na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988.

Quem estivesse fora da área nessa data ou chegasse depois deste dia, não teria direito a pedir sua demarcação.

Hoje, o Brasil tem 421 terras indígenas devidamente homologadas, que somam 106,6 milhões de hectares e onde vivem cerca de 466 mil indígenas. Há, porém, outras 303 terras indígenas no país que ainda não conseguiram obter a homologação presidencial, ou seja, que estão em alguma fase do processo de demarcação, sem que ele tenha sido concluído.

Essas terras somam 11 milhões de hectares, onde vivem cerca de 197 mil indígenas. Esses dados se baseiam em publicações feitas no Diário Oficial da União e que são monitoradas pelo Instituto Socioambiental (ISA).

Muitas destas terras aguardam o andamento de seus processos há décadas, sem obterem resposta do governo federal. Na prática, a eventual confirmação do conceito do marco temporal colocaria todas essas reivindicações em xeque, uma vez que as movimentações contrárias à demarcação, que são puxadas por produtores agropecuários em todo o País, costumam recorrer ao critério do marco legal para confrontar os indígenas.

O ministro do STF Edson Fachin, relator do caso, já argumentou em parecer que a tese promove um progressivo “etnocídio” entre os povos indígenas, com a eliminação de elementos culturais de determinado grupo. O advogado Eloy Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), chama a atenção para os efeitos que uma decisão favorável ao marco teria sobre as etnias em geral e, em especial, os povos isolados.

“O efeito vai ser nefasto, porque vai inviabilizar a demarcação das terras que ainda não estão regularizadas e vai abrir possibilidade jurídica para questionar terras já consolidadas”, afirma. “O efeito não é só na demarcação porque a interpretação que se quer dar ao marco temporal é de abrir esses territórios à exploração mineral e também ao agronegócio nas terras indígenas.”

Especialistas em direitos indígenas alegam que se trata de uma tese sem respaldo legal ou histórico, porque desconsidera as frequentes expulsões e outras violências que foram sofridas por essas populações ao longo da história.

“Uma pergunta fundamental deixa de ser feita com a ideia de marco temporal. Onde os indígenas estavam em 5 de outubro de 1988, para que se proceda a demarcação da área que ocupavam? Apenas afirma-se que não estavam onde pleiteiam a demarcação para que o direito seja extinto. Os povos originários não ‘surgiram’ no País por geração espontânea a partir de 6 de outubro de 1988”, diz Juliana de Paula Batista, advogada ISA.

Na avaliação de Batista, o que se busca efetivamente é impor o marco temporal para inviabilizar todas as demarcações, uma promessa que foi reiteradamente defendida pelo presidente Jair Bolsonaro, durante a campanha eleitoral e já em seu governo. “Não se trata de garantir o que a Constituição determinou, mas de torná-la inoperante e ineficaz”, afirma Batista.

Acampado em Brasília com outras lideranças indígenas para acompanhar o julgamento no Supremo, Terena afirma que a tese do marco temporal é baseada em argumentos com pouca validade jurídica do ponto de vista técnico. Os defensores da tese apontam o uso do verbo “ocupar” no tempo presente para justificar a necessidade de os indígenas estarem ocupando as terras no momento da promulgação do texto constitucional.

“Essa interpretação que eles fazem é gramatical do verbo ocupar. É a interpretação mais pobre que existe”, diz Terena. “A Constituição não falou que são direitos dos índios às terras que momentaneamente ocupam. Os direitos são sobre as terras tradicionalmente ocupadas. A Constituição não trabalhou com elementos temporais. A marca da tradicionalidade é sobre o modo como o indígena se relaciona com o seu território. Não tem nada a ver com tempo.

Fonte: CNN Brasil

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